3.6.07

platonismos

No dia em que meu coração morreu, ele sorria seu sorriso de mil dentes. Eu nunca tinha visto um sorriso assim, de criança, tão cruel quanto sincero. O dia em que o coração da gente morre é sempre cafona, feito de peito gelado, mãos mornas, falta de esperança e muitas obviedades. Mas no dia em que meu coração morreu, não chovia. Choveu, muito, no dia seguinte. Eu pisei no freio com tudo, mas a pista estava molhada. E ele continuava sorrindo seu sorriso de mil dentes em alguma outra parte da cidade, no espelho, pra alguém e alguma outra piada boba. Meu coração já estava morto e outra mulher, quem sabe, olhava sem atenção para aquele sorriso de mil dentes. Depois que meu coração morreu, continuei a amar, mas escrever passou a sujar as lembranças, já tão aturdidas mas ainda de cores perfeitas, o pacote de cigarros na mesa, uma seqüência de canções, todo um passado dilacerado por aquele sorriso de mil dentes.