25.8.06

os chineses

Os dois de mãos dadas, mas os dedos frouxos.
Um amor crônico -
porém cheio de agudezas.

Na cabine do trem, um de frente pro outro. Engraçado como não vêem mais a mesma coisa. Quase a mesma. Muda o ângulo e a perspectiva. Ela vê o que vem; ele, o que já foi. Não é uma metáfora. Ela, ela apenas fica tonta quando se senta de costas para a cabine do maquinista.

Na China, a população é de mais de 1,3 bilhão, parece. Tem até aquela piadinha: se todos os chineses resolvessem pular ao mesmo tempo, o mundo tremeria. De todo jeito, é um bocado de chineses. Na Coréia do Norte, há 23 milhões de habitantes. Na Coréia do Sul, mais 10 milhões. Os coreanos que fritam pastéis em óleo sujo no Rio vêm de onde? Do Norte ou do Sul? Eles têm as unhas tão encardidas, as camisetas amareladas de gordura. Acho que todo mundo sabe disso, mas continua comendo os pastéis.

Eu tenho a valentia sentimental necessária para uma boa heroína; o que estraga é minha pouca firmeza do destino de mártir e a leveza insuficiente para um final feliz. A idéia é resistir às provações, uma vez a elas entregue. Só que meus pés pisam forte as tábuas estreitas de madeira. Não é um protesto, é uma fuga. Em todo caso, é feio, frágil, vulgar. Mas é bem mais fácil deixar o teatro quando se é apenas mais um espectador. Faço da rua vazia meu palco: dramatizo pra ninguém. Atravesso a rua sem olhar para os lados - uma falsa loucura. É noite no centro do Rio e não passa quase carro nenhum.

Sei distinguir chineses e coreanos. Por algum motivo, isso me parece uma particularidade minha, um talento: saber distinguir chineses e coreanos. Uma bobagem, sem dúvida. Uma vez estava viajando ao lado de duas coreanas em um trem. Acordei com o pé de uma delas quase apoiado no meu rosto. A meia estava imunda; o fedor me deixou cheia de náusea. Sabe que acharam um cadáver de um chinês em um restaurante em Portugal? Isso depois de alguém denunciar o lugar à vigilância sanitária - após achar uma unha no meio de um prato. Não vomitem.

Engraçado como as lágrimas às vezes vem aos borbotões, como um vômito. Não posso me impedir de achar bonito. Eu gosto de me identificar com a mocinha, quando ela sofre. Aí acho que quase tudo se justifica. Eu fico frustrada quando o pranto seca sobre o rosto despreparado para aquela secura. Os olhos vermelhos, atônita.

Eu não como desses pastéis.

Queria não ter que dizer nada. Com uma bomba matar todos os chineses e coreanos, para que eles nunca mais sejam assunto de conversa alguma. Que ele me cerrasse os dedos com força. Quase machucasse.


5 Comments:

Anonymous Anónimo said...

mas vc é forte demais para se achar fraquinha. ;)

3:33 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Nossa...Ao começar a ler, pensei que isso fosse pra mim, mas ai vc disse não era uma metáfora. U-FA!
=)

E então, que seja doce...E ela é. De olhar e ouvir. Foi o que tive vontade de te dizer ontem...

6:53 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

eu calo, eu olho, eu me desconcerto diante da coragem, mesmo com os pes em carne viva, os seus. e os meus? se me atrevesse.... pes, pece. o passado e o amor sao um aquario.

4:50 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

em algum momento, o ruido aparece, eu desafino, aparece desconcerto. algo salta, mas timidamente, aos olhos. e nada. a minha falta de precisao, e a falta de capricho mental:onde estarao mesmo os acentos. descozo, desconserto. e logo aqui. cansada de metaforas

4:58 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

teus dois primeiros parágrafos formam as imagens mais belas e mais tristes de que tenho lembrança.
não sei bem o que é, se os dedos frouxos, o amor crônico, as agudezas, o trem ou as paisagens contrárias. (ir e vir são apenas lados opostos de uma mesma viagem.)

3:52 da tarde  

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