29.1.07

bandeira

Nenhum aeroporto ou manhã me dá lições de ver partir.
Ao meu lado, na cama, uma pequena gata respira lentamente, esticada sobre o dorso, os olhos fechados. Ela tem sempre uma pata, o rabo, a cabeça encostada em mim - ou permanece a uma distância que, ela sabe, pressupõe uma possibilidade de toque. Uma possibilidade de carinho, o pelo negro e macio dela me diz, às vezes basta. Às vezes não basta. E se eu me levanto e venho escrever, já prevejo: ela vai me seguir. Um pequeno filhote de gato preto, ao contrário do que eu preciso, me dá lições de ficar.
O céu segue clareando e, vejá só a contradição, ele escurece.
Eu não quero nunca mais ver alguém ir embora, a casa esvaziar como a última risada de uma festa; ficam esses copos lembrando o que já não é. Me pergunto sempre se um dia foi.
A rua me incita a fugir, mas o cansaço é tanto. Eu espero, eu pago pra ver. Não é coragem, é preguiça da novidade. Eu não sou contemporânea.
Então penso em planificar o tempo, a distância. Transformar tudo em texto, mapa, relógio de pulso. Fingir que está tudo numa página de caderno. Que eu posso esticar, encolher os dias. Que as cidades não estão tão longe assim, que são apenas pontos e nomes no papel. Mas a gatinha se estica à minha frente, me oferece o pescoço pra mais um carinho, que eu dou - ela aperta os olhos de prazer. E vejo a traição, a mim mesma também, que é tirar os dedos de seu corpo morno e trazê-los de volta ao teclado. Abrir mão do calor pela linguagem. Recusar esse aprender da permanência. Porque irreal, volátil, falso conforto.
Só resta esperar que chova, que os barulhos cubram os espaços, que o tempo não seja constante. Viver é um truque.


2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

viver é um blefe!

1:27 da tarde  
Blogger hpg said...

no deserto uma miragem. verto pelo canto do olho esquerdo uma última gota. dou bandeira.

8:35 da tarde  

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