11.2.10

Eu tenho muitos sapatos, e
pelo menos metade deles eu não uso nunca
ou quase nunca.
Houve uma época em que eu tinha menos sapatos,
e uma porcentagem bem maior
de modelos desconfortáveis.

De noite, eu rio à beça, eu vejo
um bocado de filmes
e eu toco um piano imaginário.
Às vezes, entre uma risada e outra,
meu coração aperta,
mas aperto mais forte os olhos.

De noite, mas mais tarde,
eu durmo numa cama bem grande,
e um vento fresco e sincero
joga meu cabelo sobre o rosto.
O cachorro resmunga, preguiça,
e o sono me toma, como
um sequestrador, sua vítima.

A madrugada é uma fuga a galope,
acordo muitas vezes aos solavancos
como se a cama, e só ela,
e só o meu canto da cama,
fosse um cavalo, e selvagem.

De manhã eu acordo, porque é
só o que se pode fazer em uma manhã.