29.8.09

Agosto

Ainda bem: do cachorro saem uns grunhidos tão cheios de nuances que nem a onomatopeia mais sofisticada deles daria conta. É um prazer sonoro, e som é física, ainda bem. Mas a mulher aos pés da qual o cachorro dormita... ah, essa mulher. Uma avalanche de instáveis constâncias de futuro e passado; fantasmas vadios conjurados. É impossível o azul da tarde. Sempre esse arrepio ao toque suave dos dedos, essa repulsão, uma doença de pele, talvez. Melhor que de alma. Preferível sempre a violência da garra. A crueldade da palavra à nitidez da narrativa: essa dureza sagrada da poesia. É a dor uma musa? Angústia o nome de outra? Clichê, o de uma terceira? Suponha que um homem apanha todo dia, à mesmíssima hora, o mesmo ônibus (sempre o mesmo motorista, os mesmos passageiros - o mesmo destino). Suponha que hoje ele segue a mesma rotina, mas, ao tentar subir, o pé pisa em falso, o corpo desliza, encontra o rosto o asfalto. O ônibus parte sem ele. Eis uma possibilidade.