28.4.06

mamifero

Eu vi um gambá subindo a calha da minha casa. Entre nós, o vidro da janela.
(É idiota, mas) tive vontade de chorar e senti o vômito subir à garganta, mas eu não consegui parar de olhar.
Seu focinho comprido
Seu rabo pelado
Seus pêlos sujos cinzentos.

Eu queria ocupar todo o espaço,
eu ocupo muito espaço,
meu corpo.
Eu ocupo espaço demais,
tempo de menos.
Eu não ocupo o suficiente o tempo de ninguém,
e todo mundo ocupa todo o meu tempo todo o meu espaço todo o tempo em todo lugar.

Eu sinto o rabo gelado do gambá me roçando as costas sem parar, seu focinho encostando nos meus braços, na parte de trás dos meus braços, minha nuca, seus pêlos na minha boca, na minha língua, entre os meus dentes.

Acabou a água,
e minha cabeça, eu tenho certeza de que minha cabeça um dia acordará separada do meu corpo, na mesma cama, como restos de uma boneca, de um daqueles bebês de plástico, com cabelos de nylon.
Quando foi que eu senti minha cabeça doer pela primeira vez?
Qual foi a última vez em que meus músculos estiveram frouxos?
Alguma dia eu fui completamente feliz?

Se eu pudesse encontrar no tempo e no espaço onde é que fica o meu medo, minha descrença, minha esperança, minha nostalgia. Mas tem tanta gente em todo lugar.
Matá-los todos, todos os sentimentos de tempo.
Uma ratoeira dentro do peito.


1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

rotina é a armadilha do espaço.
a gente deixa de compreendê-lo.
muito fortes tuas sinestesias.
aqui eu recito e as paredes gostam.

11:27 da tarde  

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