4.9.06

setembro

Vinte e poucos anos de articulações presas mais uma década de ombros duros ensinam qualquer coisa, que a dor é uma rede mais que uma facada, que às vezes a gente descobre que dói em outro canto qualquer que não o de hábito. Que lado dói mais? Ah, o esquerdo, dá até enxaqueca. Mas é no lado direito que estão os pontos mais tensos. Ah é?
Uma nostalgia de espaços. Sabe aquela cor muito específica do céu amanhecendo em São Paulo? Sabe como ele dança, balançando os ombros, assim, levantando um e abaixando o outro? É tão bonitinho.
Acordar com uma gatinha branquela e elegante dormindo entre as pernas, o mesmo cheiro morno. Um ano invade uma tarde como um perfume exagerado que você sentiu quando entrou no elevador.
É um cinza azulado, é uma parede descascada, um miado, um solo.
As pessoas estão dispostas em rede, como dores, como lembranças. Se eu fechar os olhos bem firme, os decibéis estouram os ouvidos, os espectros se cruzam, se fundem, tudo é só eu. Dói tanto às vezes.
Eu sou capaz de sentir muito amor, muito amor. Meus beijos são muito sinceros. Cabe dentro de mim muito carinho. Muita gente.
Me dá a mão?
Meus dedos são compridos e eu falo nas horas erradas, eu falo besteira. Mas então eu fico em silêncio, eu queria sorrir graciosamente. Os cabelos caindo nos ombros, as articulações doem cada vez menos, mas na memória é sempre igual, sempre pesado, duro, extenso, intrincado.
Eu me confundo cada vez mais. Ele está nas mínimas impressões, nas pequenas linhas das falanges dos dedos; e se eu digito, é ele, o que eu escrevo. Um barulho muito nítido de chuva no matagal diante da janela, as gotas escorrendo pelo muro acinzentado, e aí eu já nem sei.
Eu não quero nada de novo, meu peito é tufão de velharias adoradas.
Vou fechar os olhos e você, então, pensa em mim.