26.9.06

um ponte é uma construção que liga dois lados separados por um vão.

Ele pulou da ponte, era alto, era longe, e ela pôde ver as meias brancas; ela achou que eram brancas, disse aos outros que eram. Ele pulou de cabeça, era alto, de costas, braços ao ar, mas os tênis eram de cano longo, ela olhou para os próprios pés. Dava tempo, ela foi correndo, mas depois diminuiu o passo. E depois, bem depois, pensou na velha história: mas se dava tempo, talvez fosse a idéia: não morrer, mas mostrar. Pensou pouco, ele deixou o bilhete, mas era dia de ela voltar tarde, só veria o bilhete de noite. Voltou antes, viu antes. Saiu desatinada. Depois diminuiu o passo. Todo mundo achou estranho; todo mundo olhou torto depois. Porque ela contou dos pés, porque ainda pôde ver as meias brancas; e teve gente que achou que não, que era choque, dor, desespero. Invenção. Era, mas não só. Uma escolha, diminuir o passo. Uma escolha deixar. Ir embora. Um acordo, e a vez de ela cumprir sua parte.

Eu posso sempre escrever, não tem essa de inspiração, posso sempre falar. Tem sempre o que dizer, sempre um monte de coisa (sempre coisa demais), não basta, não acaba, vaza, sobro. Não cabe. E de repente ficou tudo ruim: as letras no papel. Não me releio, acho cafona, desconexo. Faz tempo. Desde antes de você, depois de você, na verdade não me lembro. E até esse bilhete eu poderia escrever pra sempre, mil linhas, depois um milhão. Centenas e centenas de canetas, cadáveres de canetas e meus dedos, machucados. Haveria sempre por onde continuar. E já não está bom. E você já está cansada de ler isso aqui e se perguntar que diabos eu estou querendo dizer, e eu acho é que não tenho nada de importante a dizer, nada que valha mais um papel sujo de tinta, mais tantos minutos da sua atenção (obrigada por ler tudo, sempre atenta, sempre disposta e afetuosa; eu também te amo muito). Mas você continua, tão linda, continuaria lendo as linhas até onde elas fossem parar, por todo o caminho, onde quer que eu quisesse chegar, como uma penélope ao contrário, descosturando as palavras, uma forma de me esperar, mesmo eu ao teu lado. E o ponto é que eu não tenho lugar nenhum pra chegar. E pra não continuar escrevendo em vão, escrevendo coisa nenhuma que preste, eu só tenho uma opção. Você, porque é você (obrigada por ser você), sabe qual é. Eu vou com a sensação de que te devo todas as declarações de amor do mundo. Eu devo, mas as palavras pra isso me escapam, não dão conta. Não é engraçado?

Ele tava de camisa vermelha, não é só da meia que eu me lembro. Uma camiseta, presente de uma ex-namorada, eu não gostava, tinha ciúmes. Ainda tenho. Como ter ciúmes de alguém que já morreu? E eu vou ter sempre. E coloquei o meu vestido mais bonito no velório. Pra ser a mulher mais linda – e eu não era. Os cabelos soltos por sobre os ombros; é verdade que meus olhos sempre ficaram mais bonitos depois do choro. As pessoas, quem são as pessoas?, não entendem o meu amor. Não entendem o amor dele, que me deixou sozinha, que não me disse tudo o que eu queria ouvir. Por que não fez de mim a única. Por que ainda quero ser a mais importante, ter sido. Por que eu não corri mais que as minhas pernas, por que eu deixei que as coisas fossem como elas foram (como elas seriam). A história inteira, do começo ao fim. Por que antes eu não fugi e depois não fui ao encontro. Por que eu amei cada dor e cada abraço. Dava tempo, é verdade. Mas tempo de quê? Pra quê? E se eu chegasse lá? E se eu gritasse? E se nem assim? Se eu me agarrasse as pernas dele, chorasse alto, me desesperasse. Se ele desistisse por mim. O que isso iria querer dizer? A escolha dele foi ir embora; a minha é nunca esquecer. Ficar parada na beira da ponte, um frio por dentro da pele. O cheiro dele ainda.