18.2.10

Os anos passam,
e ainda: as pessoas são o que elas são
E não são nem um pouco mais
e não chegam quase nunca a ser menos
- talvez às vezes um pouco menos.

A amizade que se transmutou em náusea,
o amor que era muito e se apagou;
o rancor que era pouco e morre e morre e
não está nunca morto.
E pairando, numa espiral de agonia,
as palavras e seus não sentidos,
fugidios, claros e de chumbo.

Vejo as pessoas nos olhos redondos
- redondos e brilhantes e escuros -
do meu cachorro.
As pessoas refletidas são opacas
- opacas e brilhantes e tristes -
tristes como às vezes são os olhos
do meu cachorro.

Mas o que ele saberia dessa cruel desalegria?
Ele, que ri de uma risada generosa?
(E isso sem nem mesmo rir.)

Afetos e gestos e o descompasso entre eles.
Afetos e gestos e a incoerência total.
Pernas mancas, olhares atravessados.
Carne partida, abraços pesados e tortos.
Peito aberto, e uma massa que escorre
e escorre e escorre e escorre
sem nunca terminar de escorrer.

É um troço cinza, vermelho e branco,
e é bonito e feio e impossível

Não quero esta chave,
fechadura, cola, cimento.
Quero apenas a minha parte.
Eu grito: a minha exata parte
igual à que de mim escorre nos outros
do que escorre dos outros em mim.