30.7.06

avenida

Se me vir no volante, você na rua, eu bufando. Digo, respirando conscienciosamente. Digo, se me vir suspirando. Eu concentrada perdida. Dentro do carro, você na rua. Pensaria, pensará: que a culpa é sua? Digo, motivo. Digo, lembrança. Digo, digo.

Ou vai saber – assim, sem querer – o que eu tou cantarolando na cabeça? E sentindo ligeiramente; não, precisamente. A mesma coisa, a exata sensação de quando ouvi pela primeira vez essa canção, eu que nunca deixei ninguém num quarto de hotel. Ela anda ao longo do canal, um pouco confusa. Só que aqui, dentro do carro, e o canal poluído, Maracanã. Um vazio por dentro que não parece ter nada a ver comigo. Não, não. Eu num trem na Escócia chorando muito – pela despedida, pela paisagem, porque é tão bonito sofrer num trem na Escócia – enquanto uma criancinha gorducha e corada me olhava assustada por sobre o ombro da mãe.

Ela entope as gavetas com poemas sem métrica nem poesia, ficam na gaveta, porque; Ele fuma; ele prefere que ela ponha a mesa, ela põe. Ela é muito feliz. Ele abre a porta. Se ele fosse mais romântico – isto é, muito mais romântico – apostaria no erro pelo simples fato de ser erro. Pelo simples prazer de errar. Ele enfia o romantismo nos bolsos, enquanto a outra pensa, cafona e sem humor, que afinal é apenas mais uma dessas coisas: a culpa, como o resto, dói, mas é tão boa de sentir.

Ou nem me veria dentro do carro, mesmo ele sendo vermelho e eu, tão alta, e estar com os vidros abertos no meio da tempestade. E é só porque eu me enchi de literatura feminina, e tarde demais. E até ensaio um daqueles soluços que precedem o pranto farto, que, caramba, não vem. Que coisa... Os olhos mal se embaçam. They asked me how I knew my true love was true.

O rosto dele é tão bonito e tão magro que às vezes me ocorre: é quase uma violência eu existir e beijá-lo. Um queixo um nariz tão delicados. Então vou ao cinema, prendo os cabelos, gola alta, atropelo folhas secas úmidas, afundo o pé, de chinelo, na água suja, e sinto falta do inverno que não existe no Rio de Janeiro.



28.7.06

choque

O que eu tenho de mais perto, mais alheio. Tanto mais difícil de mover o que na ponta do nariz. Próximo e avulso, não mexo. Se estico os braços, lado contrário. Se abro os olhos, escuro. Levo o susto e permaneço imóvel.
Tudo o que eu escrevo, ela já escreveu, e também todos. E mesmo isso, e mesmo ele. E nunca, e ontem.
Pontos e vírgulas,
Pontos-e-vírgulas.

Estou passeando no bosque esperando o lobo,
que não vem.




22.7.06

tudo
pau
sa
da
men
te
bem
tudo tic tac tec tac tic
tudo
onomatopeicamente
bem;

se não é,
como é?,
a madeleine em forma de texto,
que
zip
corta

ou não, e
vuuuf
suga
a
onde?, e

a mão esquerda forte na cintura; a mão direita firme no pescoço, polegar sobre o rosto, dedos longos na nuca.

e nunca
e sempre,
zás
vento, e
silêncio,
mas

aaaaaahhhh

tudo
bem.


21.7.06

por deus

eu juro: um dia paro de escrever coisas cafonas.


12.7.06

tudo bem, mas,

me diz,
onde eu escondo tanta biologia?


8.7.06

da cama

A luz da manhã só serve mesmo pra isso: deixar uma cor bonita sobre a madeira; eu gosto muito de amarelos e laranjas.
Quando chove, além de o gambá se abrigar sobre o meu teto, a água escorre por dentro da parede, deixando a tinta inchada e um cheiro de velho. Simone de Beauvoir dizendo que não nascemos mulheres, que nos tornamos mulheres, está absolutamente mofada. Adoro metáforas prontas. Eu tenho uma entrada de carne vermelha e pulsante para dentro de mim. Eu nasci mulher.


7.7.06

capítulo

Não é que ele seja bonito, é que ele se move com a precisão de um animal.

Mau,

alguma literatura dá vontade de ser mau,
no masculino.

Do lado, aqui do meu lado,
dois nomes que aparecem na mesma hora e -

contemporaneidade,
você e eu: ao mesmo tempo.

Não é que seja bonito, é que tem a cabeça coberta de grossos e fartos cabelos pretos.


5.7.06

lagoa

Eu queria poder devolver tudo o que eu roubei, mas é impossível. Quem sabe se forem pegando tudo de volta, assim, pouco a pouco. As cartomantes erraram violentamente. E eu quero os sustos. Eu sinto medo falta do susto. Eu gostaria, sim, de escrever algo que não fosse eu. Mas, em tudo, eu tenho uma queda incontornável pela verdade - como se todo mundo não soubesse que só a ficção faz sentido.

Eu tenho olhos castanhos fundos, tenho coragem, disposição. Eu sou feliz. Eu acordo, vejo as flores, os pássaros, como não sorrir? O sol brilha e eu me sinto parte do mundo, parte da engrenagem do mundo, eu faço parte. I belong. Só animais fofos passeiam sobre o meu teto. Os passarinhos cantam e meu quarto está finalmente livre dos mosquitos. Papai, mamãe, tenho um segredo para contar: eu estou grávida e feliz.

Eu gosto muito de músicas tristes, gosto de tudo que é triste, afinal.


2.7.06

ligia

a casa inteira cheira a peixe,
eu não posso chorar,
porque daqui a pouco vão me chamar pro almoço.


anônimo

Eu não entendo quase nada de futebol, mas entendo sobre querer.
No carro do lado um rapaz tentando conquistar a menininha. Ela ria

graciosamente.

é IDIOTA
que
em dias como este
em dias comuns
você não esteja comigo.

Eu não entendo quase nada de futebol mas eu gosto é de passar os cruzamentos sob as luzes amarelas quase vermelhas o carro o carro o carro e eu meu carro é econômico não acelera eu posso bater a qualquer momento a qualquer momento um carro me pegar e eu girar girar girar

Sem você, nem em sinais de pontuação eu acredito.

Às onze, quase meia-noite, eu e minha camisa da seleção de Portugal, em toda a sua
garra glória coragem,
nos sentimos muito sozinhas.

Se eu só tivesse uns poucos minutos, se eu fosse morrer, e a vida como um filme e aquela história toda,
eu diria
(que)
eu te amo.

(dez horas depois...)

Tomei analgésico ansiolítico tristeza.
Nada me espera no domingo,
nada me espera.

É injusto que as pernas dela não me deixem dormir.





1.7.06

daniel

na ponta dos meus dedos,
espero.


2006 - parte 2

Eu já não me importo se tudo termina tão longe de onde começou.
Não quero público, me basta o espetáculo - ou silêncio. Ou nada.

Mas me deixa observar,
me deixa na minha cadeira,
nas minhas horas de sono,
me deixa em paz.