29.6.06

joana

(Talvez até a madrugada pudesse ser azul.)

De gozo violento agudo e cortante
de sobrar
de não fazer falta
de dizerem - vai.
elevador portaria carro
asfalto molhado ruas vazias.

(Mas no fundo, você sabe o óbvio: a morte espera em cada esquina.)

De, de...
reticências.

Parede espiral segredo -
azul marinho.

Sobre ir embora
sobre abrir mão
sobre dizer - vai.
(Você está tão cansada que só resta pedir mais.)
Tudo tende à inércia, mesmo o mais absurdo.

Chove e os termômetros do Rio marcam quinze graus,
os animais continuam passeando sobre meu teto;
então eu posso ser infeliz.

Eu não sei o que fazer do meu corpo
- a não ser vesti-lo.
Mas eu não dou dez voltas ao redor de mim mesma pra dizer uma frase:
eu digo.
Meus gestos
- talvez -
calam.
Mas meus braços, imóveis, gritam.

Eu poderia escrever os versos mais tristes todas as noites;
e isto continua não sendo um poema.

A alegria dói como a pele febril sob a água fria.
De felicidade não falo.
(Você escreve umas coisas tão bonitas quando tá triste.)

Eu sou do tipo que se espanta com os troços mais banais,
com o fato de as unhas crescerem.
Então eu rôo.

Meus cabelos, meus cabelos são grossos fartos mornos.

Tantos motivos, tantos fatos, ciscos,
e eu chorei foi quando o guarda-chuva não abriu.


28.6.06

eu sei

todas são assim.
é só mais uma,
uma noite.
sozinha.


27.6.06



26.6.06

66%



25.6.06

relógio

Saia branca, blusa preta.
Disseram um dia que fica bem.
Se a metáfora é nesse linha, pois bem:
o resultado é o empate,
e o tempo, infinito.
Porque:
tinha que fazer diferença,
tinha que,
mas não.
(o que você tem a perder, me diz, o que você tem a perder?)
Porque los dos son fuertes.
(e dá-lhe toddy
ou café com leite
ou suco de figo -
ou qualquer coisa que o valha.)
Qualquer palavra é possível,
o que falta é desequilíbrio.
Eu tenho vinte e sete anos.
Sapatilhas pretas, machucados nos pés,
e certas noites que passam rápido e bem.

Então basta só um gesto ou um olhar para o lado de um jeito que.

(quem foi que falou em estratégia?)

Nem é muita tristeza, é apenas
desespero.


20.6.06

egoísmo lingüístico

terceira pessoa
(singular, plural)
, pra mim,
não existe.


17.6.06

de cidades e mutantes

Plec, plec, plec fazem os pés dos passarinhos no ar condicionado, e também o barulho que fazem, à minha janela fechada, quando voam, quando gritam. E os mamíferos que passeiam por calhas, forros, teto, muros. Os animais que fazem vírgulas à minha volta, e por que me incomodam tanto? E por que eu tenho medo aflição nojo? Faz tanto tempo, pouco tempo que eu vejo a cidade e é mais.

Mais.
Que eu vou ser linchada por lésbicas e feministas, me disseram, por causa do que estou escrevendo. Em última instância, por causa do que eu sou. Porque eu fui e vi e eu sei. Que eu preciso. Que, me desculpem os que virem nisso alguma grosseria (e não há), mulheres são buracos, como naquela obra. E toda a precisão, sim. Que não sou espírito, que mais: o espírito me prende, e é o corpo que me liberta.

Sim.
Que plec, toc, zum, os animais, e se houvesse qualquer calor neste quarto. E que eu sou triste por vício, mas preciso de um homem, com suas veias e silêncios, que me sacuda, segurando meus braços com força, os músculos tesos contra a carne doce. Versus a carne doce. Linchada por lésbicas e feministas, mas se sou eu. Se o livro é meu, e eu posso precisar do que precisar, que já não depende de mim, buraco.

Anatomia.
E eu sou forte. Maior que muito homem por aí, mas não. E eu sou frágil. Por favor, vê. Que essa cidade e esses animais me assustam, e que me amedronta mais a minha cabeça e que eu sei, eu grito nas mesas. Eu digo o que eu penso, mas às vezes invento, só pra falar mais alto, e me defendo. Mas contra cidades, cabeça, animais: braços e sexo. Força e imobilidade. Que eu espero. Que eu espero.



14.6.06

eu não sei dançar

Mas eu já nem sei se é tão bom assim girar, meu bem, vê, tive um daqueles sonhos ruins e envolventes, daqueles que só se dissipam nas paredes dos quartos, a luz já acesa, e vão indo embora deixando o corpo ainda pregado à cama, como se de uma outra pessoa. (O corpo me dói, mas permite que eu fuja.) Eu rodava, rodava sem parar, mas não sabia se era movimento dos pés ou da cabeça, e os que seguravam minhas mãos - e que eu via rodarem junto comigo! - eu não sabia se rodavam, se me viam rodar ou se nem estavam ali. A luminária acesa e os cabelos das meninas ainda balançando na parede do quarto, clareando, clareando, balançando. Uma delas olhou pra trás antes de desaparecer. Elas riam. Minha roupa estava suja de vinho tinto e aquele lugar, eu conheço aquele lugar, já sonhei com ele. Meus pés me tombam com mil quilos, os olhos caem, e o relógio da vizinha dá sua uma badalada. O peito sufoca mudo, e o mundo. Eu sinto dedos de aranha passeando pelo meu couro cabeludo; é um filme de terror, eu sei, enquanto ali na sala, o mundo passa, normal, pela TV. Mas se eu começar a girar, você me segura até eu parar? Você joga o corpo sobre o meu pra me salvar?


telegrafando o passe (ou um relato desinteressante)

Eu até já tentei começar a torcer pra um time pra ter alguma coisa pra conversar com garçons e porteiros e me sentir assim mais integrada com o popular, não deu certo. De uma maneira geral (mas não total), tenho uma certa dificuldade com exclusividades e durabilidades. Nem com o Brasil como time (ou como qualquer coisa...) eu cheguei a me animar muito, em nenhuma Copa ou Olímpiada, nem quando todas as adolescentes, minhas amiguinhas, suspiravam pela seleção de vôlei. Enfim, tudo isso pra dizer que o amor surge nos lugares mais inesperados.

Foi por causa de um vôo atrasado que tudo começou. Entrei, entediada, na livrariazinha do Galeão, procurando alguma coisa bem pouco intelectualmente estimulante pra ler, quando eu o encontrei: o Álbum da Copa. Desde então eu tenho um motivo para acordar todas as manhãs: completar até o espaço do último pobre jogador de Angola (dos dois últimos, né?, que Angola não tem direito, segundo o fabricante de álbuns, de ter uma figurinha por jogador). Eu podia ter comprado também o álbum da Moranguinho e ficar nostálgica. Mas, como eu tenho 27 anos, prefiro ver fotos de mais de 500 homens do que de bonequinhas com nome de comida.

Até aí, de todo jeito, era só o papel e eu e os cromos auto-adesivos. Eu ia ver só o jogo de Portugal, porque é a camisa mais bonita, e o do Brasil, porque todo mundo pára de fazer tudo mesmo... E eis que sexta-feira eu caio doente. Numa casa inteligentemente sem TV a cabo. E eis que eu sou uma falsa intelectual e quando fico doente não tenho nenhuma vontade de ler nada que preste. (E eis que não tinha mais figurinha pra colar...). Vi todos os jogos. Sei todos os placares. Cada ponto forte e cada ponto fraco de cada seleção. Cada comentário imbecil de cada narrador da Globo. Obsessão, enfim.

A Copa (e o álbum) já me possibilitaram boas supresas e sutis alegrias. Descobrir como os japoneses são fotogênicos e os portugueses, não. Conversar com o homem mais interessante da festa sobre como é essa compulsão dos sem-time pelo álbum da Copa e sobre como é ver um jogo com 44 jogadores e duas bolas em campo, e o relógio mostrando 2521:521 do 11o tempo. Chorar com a alegria de um povo que eu nem sei como se chama (quem nasce em Trinidad e Tobago é...?). (Chorar mesmo.) Comentar "você viu como o Totti ficou bem melhor de cabelo curto?". E até saber a seleção completa do Brasil (que dizer, teve um que não veio, né?).

Agora vou colar mais figurinhas (é verdade, não é só pra poder terminar essa porcaria). Aliás, sob o risco de me humilhar publicamente, conto que hoje, na volta, confundi o horário do vôo e cheguei ao aeroporto uma hora mais cedo. Claro que fui direto à livraria comprar figurinhas. "Não temos figurinhas" (São Paulo...). Avistei na porta, do outro lado da avenidona, uma banca. E lá fui. E me diz a velhinha: "Não tenho figurinhas" (velhinhas...).

Sob o peso de três bolsas, quatro horas de sono mal dormido e uma amidalite semi-curada, pergunto: "A senhora sabe onde tem outra banca aqui perto?". Com a gentileza dos não amantes da Copa, ela me diz: "ali perto da padaria" e me aponta qualquer lugar entre Interlagos e Berlim. E eu sigo até achar um taxista, que olha pro salto da minha bota e diz "ih, olha, é umas seis quadra daqui." Lágrima brilhando, resmungo "ah, que pena, muito longe". Comprei 20 pacotinhos, 100 figurinhas, só 8 repetidas. Bolha por bolha, agora até o Figo tem.


6.6.06

exploda!

pelo menos há sentido em estar infeliz, e
eu quero mesmo
é
afundar
a
cara
no
travesseiro
assim - à sua moda.
que eu tou aqui,
e há mesmo sentido em estar infeliz.
e, e eu vou contribuindo com a minha lógica pra lógica do mundo, que não faz sentido nenhum.
Porque era pra eu estar ali,
E, se não estou,
tenho mais é que estar
i
n
f
e
l
i
z, e
assim, contribuir
pro
mundo
fazer
sentido.


2.6.06

da falta de um interlocutor

Se eu desloco a verdade no tempo, eu minto?
E se
eu desloco o tempo na vontade,
eu fujo?

E se eu for tão inteligente, tanto, tanto, tanto (...), tanto que nada que sai de mim te alcança?
E se
você me amar tanto,
tanto que me esquece.
?

O que eu sinto se mede, sim. Em quilos.
Nos ombros,
em nós.

Mas e se eu estivesse tão triste que não conseguisse parar de rir?
E se eu nem estivesse tão triste assim.
Fosse só
costume?

Se eu pelo menos...
Se
eu tivesse tempo de ensaiar antes de representar pra mim mesma.

Mas e se eu tivesse tanta saudade, tanta, tanta, tanta,
que eu te implorasse pra ir embora?

Se eu escrevesse tão mal que eu engasgasse em letras.
Se eu fosse tão estúpida que só visse a verdade.

?

E
se
você dormisse comigo um dia desses?
Assim,
sem hora pra acordar.