30.9.06

eu, e ele

Tem que doer sempre,

desde que
desde antes
desde

lado direito
lado esquerdo

um desequilíbrio.

(São quantos quilômetros tantos gritos silêncios calares, são tantas palavras quanta gente e essa enxaqueca como uma valsa bolero marcha.)

Tudo se divide em duas partes
e
depois que eu tomei o analgésico
o lado que doía acalmou
e então
foi a vez de o outro latejar

mais forte.

Um dia e uma noite e outro dia.

Não é só porque os olhos dele,
duas lascas pretas,
sorriem como braços abertos
- quando sorriem;

é que
vem dele um cheiro morno
e nele eu me encontro
eu me esqueço.

Longe dele eu me perco:
a voz o peito
como bússola.

Defina alegria: o insustentável.

O equilíbrio: colapso.


27.9.06

repito palavras e não sei contar histórias

e

fico impressionada como essa espécie de conto aí embaixo pode ser tão (significativo pra mim) cafoninha e vulgar.


26.9.06

um ponte é uma construção que liga dois lados separados por um vão.

Ele pulou da ponte, era alto, era longe, e ela pôde ver as meias brancas; ela achou que eram brancas, disse aos outros que eram. Ele pulou de cabeça, era alto, de costas, braços ao ar, mas os tênis eram de cano longo, ela olhou para os próprios pés. Dava tempo, ela foi correndo, mas depois diminuiu o passo. E depois, bem depois, pensou na velha história: mas se dava tempo, talvez fosse a idéia: não morrer, mas mostrar. Pensou pouco, ele deixou o bilhete, mas era dia de ela voltar tarde, só veria o bilhete de noite. Voltou antes, viu antes. Saiu desatinada. Depois diminuiu o passo. Todo mundo achou estranho; todo mundo olhou torto depois. Porque ela contou dos pés, porque ainda pôde ver as meias brancas; e teve gente que achou que não, que era choque, dor, desespero. Invenção. Era, mas não só. Uma escolha, diminuir o passo. Uma escolha deixar. Ir embora. Um acordo, e a vez de ela cumprir sua parte.

Eu posso sempre escrever, não tem essa de inspiração, posso sempre falar. Tem sempre o que dizer, sempre um monte de coisa (sempre coisa demais), não basta, não acaba, vaza, sobro. Não cabe. E de repente ficou tudo ruim: as letras no papel. Não me releio, acho cafona, desconexo. Faz tempo. Desde antes de você, depois de você, na verdade não me lembro. E até esse bilhete eu poderia escrever pra sempre, mil linhas, depois um milhão. Centenas e centenas de canetas, cadáveres de canetas e meus dedos, machucados. Haveria sempre por onde continuar. E já não está bom. E você já está cansada de ler isso aqui e se perguntar que diabos eu estou querendo dizer, e eu acho é que não tenho nada de importante a dizer, nada que valha mais um papel sujo de tinta, mais tantos minutos da sua atenção (obrigada por ler tudo, sempre atenta, sempre disposta e afetuosa; eu também te amo muito). Mas você continua, tão linda, continuaria lendo as linhas até onde elas fossem parar, por todo o caminho, onde quer que eu quisesse chegar, como uma penélope ao contrário, descosturando as palavras, uma forma de me esperar, mesmo eu ao teu lado. E o ponto é que eu não tenho lugar nenhum pra chegar. E pra não continuar escrevendo em vão, escrevendo coisa nenhuma que preste, eu só tenho uma opção. Você, porque é você (obrigada por ser você), sabe qual é. Eu vou com a sensação de que te devo todas as declarações de amor do mundo. Eu devo, mas as palavras pra isso me escapam, não dão conta. Não é engraçado?

Ele tava de camisa vermelha, não é só da meia que eu me lembro. Uma camiseta, presente de uma ex-namorada, eu não gostava, tinha ciúmes. Ainda tenho. Como ter ciúmes de alguém que já morreu? E eu vou ter sempre. E coloquei o meu vestido mais bonito no velório. Pra ser a mulher mais linda – e eu não era. Os cabelos soltos por sobre os ombros; é verdade que meus olhos sempre ficaram mais bonitos depois do choro. As pessoas, quem são as pessoas?, não entendem o meu amor. Não entendem o amor dele, que me deixou sozinha, que não me disse tudo o que eu queria ouvir. Por que não fez de mim a única. Por que ainda quero ser a mais importante, ter sido. Por que eu não corri mais que as minhas pernas, por que eu deixei que as coisas fossem como elas foram (como elas seriam). A história inteira, do começo ao fim. Por que antes eu não fugi e depois não fui ao encontro. Por que eu amei cada dor e cada abraço. Dava tempo, é verdade. Mas tempo de quê? Pra quê? E se eu chegasse lá? E se eu gritasse? E se nem assim? Se eu me agarrasse as pernas dele, chorasse alto, me desesperasse. Se ele desistisse por mim. O que isso iria querer dizer? A escolha dele foi ir embora; a minha é nunca esquecer. Ficar parada na beira da ponte, um frio por dentro da pele. O cheiro dele ainda.


25.9.06

definitely late



Steffi: You were there for me.

Joe: And you for me. And I appreciate it. I think we’ve been better friends... than husband and wife.

Steffi: Yeah, we probably have. But nobody made me laugh the way you did. I love Bob with all my heart, it isn’t that. It’s just that you could always push that button in me.

Joe: So why is that so important?

Steffi: I don’t know. Maybe we’re crazy. That girl that dumped you today, did she make you laugh?

Joe: I don’t know. I have to put that... behind.

Steffi: Funny how life goes.

Joe: It’s amazing. Amazing.


Steffi: Let’s go. It’s late.

Joe: It’s definitely late.



21.9.06

benjamim

que é benjamim
me tranca com as pernas
e ri
e sua
e se perde
e diz
- e se a gente bebesse esse bar todo nesta noite?
e eu vou embora
benjamim que é benjamim
me segura
trinca os dentes
balança os ombros
não vai embora
é conjunção aditiva
não é mais verbo
benjamim
que é benjamim
é vírgula
é ritmo
é lágrima
cheira a infância:
benjamim cheira a febre
e me tranca com os braços -
não me esquece


18.9.06

don't be mean

Benjamim,
Eu não vou falar disso, não.
Que te importam as escadas e as ruas molhadas? Eu sempre falo delas, acho que espero que elas te tragam pra mim: quando sou eu que vou embora.
Don't be mean, Benjamim.
Você é que esqueceu de trancar a porta. E o olho mágico nunca é usado. E sempre tem um objeto cuidadosamente esquecido por aí.
Benjamim, teu telefone tá tocando. Atende que esse barulho me irrita tanto quanto a calma do teu alô.
Eu demoro umas três horas ainda pra ir embora, Benjamim. Tira os sapatos, fica tranqüilo: é sempre assim.
Sempre assim, Benjamim.
Mais um texto pouco específico (a não ser pelo teu nome). Mais um dia inespecífico. Don't be mean.
Não corre.

Minhas sandálias são de borracha e eu não escorrego.
Caminhemos juntos e tranqüilos rumo ao desastre.


17.9.06

almada negreiros

"essa grandeza de não a ter
é mais pequena que a de não desejar tê-la

e se o preço de participar é grandeza
não contem comigo
não participo
não participo nem contra grandeza

nasci ar
em forma de gente

nasci luz
em forma de gente

não me compreendo
e respiro-me
e vejo-me textual

a forma de gente faz-me agir fora do que nasci ar
fora do que nasci luz

e nasci ar para forma de gente
e nasci luz para forma de gente

nasci antes de mim
antes de forma de gente

era génio antes de nascer
em forma de gente

a forma de gente não me deixa ser o génio que nasci"


14.9.06

uma letra (de música)

Voltando pra casa
todo dia -
e toda noite,
um corpo diferente na cama:
uma respiração barulhenta.

Meu corpo,
diferente na cama -
desta casa.
Um cheiro doce, e acre, e forte.
Eu não abro as janelas
à noite
animais passeiam
(entre os fantasmas)
do jardim desta casa:
a minha casa
(não é minha) -
um corpo cansado.

(mas se)

eu disser tudo de novo,
e se eu disser sim,
e ele, como o garoto forte e louco
(da canção),
disser tudo de novo,
e disser sim,
e disser vem,
eu até tropeço, eu até
estendo (os braços, boca -
coração)
meu corpo assustado,
minha alma cansada,
eu até vou;
eu até volto
pra essa casa, aquela casa,
que pode ser minha:

toda noite o mesmo corpo na cama,
todo dia a mesma respiração.


12.9.06

alice

Sabe o que eu queria escrever hoje? Uma historinha!
É engraçado e passa longe da pretensão, é que eu escrevo fácil. Um bom adjetivo: eu não construo nada. Meio como um zé ninguém assobiando numa esquina qualquer (canção abafada, claro, por buzinas e gritos e essa massa de som que não é especificamente coisa nenhuma).
As palavras são só conjuntinhos de letrinhas e eu escrevo lendo, pré-lendo, relendo, é mesmo uma música. Eu digito rápido, mas só com três dedos. Sim, três. Dois na mão direita, um na esquerda. Uso mais um na esquerda quando é o caso de til ou crase.
Há certas coisas que, se pararmos pra pensar nelas, não conseguimos fazer. Respirar. Às vezes no meio do trânsito eu esqueço como se dirige.
Mentira.
Eu adoraria escrever uma historinha, representar. Na minha vida é tudo tão cru, tão exposto: sempre eu.
Levante a mão quem nunca recebeu de mim uma rajada de sinceridade! Que fosse agressiva, desconcertante ou boba. Ou constrangedora. Minhas mãos são grandes; talvez eu ainda devesse aprender a tocar piano. Tão desastrada.
O tempo passou mais rápido do que deveria (mais uma vez). Meu quarto é feito do silêncio muito particular de um tic tac de relógio, tic tac, tic tac. Só quando eu presto atenção eu ouço. Um silêncio muito particular me vai ao peito.
Eu repito: já é tão tarde pra começar. Ou pra dormir. Eu queria ter a quietude da respiração constante de outra pessoa aqui. Seria como um beliscão no meio do pesadelo.


9.9.06

só um título

Hefestion e a camaradagem


4.9.06

setembro

Vinte e poucos anos de articulações presas mais uma década de ombros duros ensinam qualquer coisa, que a dor é uma rede mais que uma facada, que às vezes a gente descobre que dói em outro canto qualquer que não o de hábito. Que lado dói mais? Ah, o esquerdo, dá até enxaqueca. Mas é no lado direito que estão os pontos mais tensos. Ah é?
Uma nostalgia de espaços. Sabe aquela cor muito específica do céu amanhecendo em São Paulo? Sabe como ele dança, balançando os ombros, assim, levantando um e abaixando o outro? É tão bonitinho.
Acordar com uma gatinha branquela e elegante dormindo entre as pernas, o mesmo cheiro morno. Um ano invade uma tarde como um perfume exagerado que você sentiu quando entrou no elevador.
É um cinza azulado, é uma parede descascada, um miado, um solo.
As pessoas estão dispostas em rede, como dores, como lembranças. Se eu fechar os olhos bem firme, os decibéis estouram os ouvidos, os espectros se cruzam, se fundem, tudo é só eu. Dói tanto às vezes.
Eu sou capaz de sentir muito amor, muito amor. Meus beijos são muito sinceros. Cabe dentro de mim muito carinho. Muita gente.
Me dá a mão?
Meus dedos são compridos e eu falo nas horas erradas, eu falo besteira. Mas então eu fico em silêncio, eu queria sorrir graciosamente. Os cabelos caindo nos ombros, as articulações doem cada vez menos, mas na memória é sempre igual, sempre pesado, duro, extenso, intrincado.
Eu me confundo cada vez mais. Ele está nas mínimas impressões, nas pequenas linhas das falanges dos dedos; e se eu digito, é ele, o que eu escrevo. Um barulho muito nítido de chuva no matagal diante da janela, as gotas escorrendo pelo muro acinzentado, e aí eu já nem sei.
Eu não quero nada de novo, meu peito é tufão de velharias adoradas.
Vou fechar os olhos e você, então, pensa em mim.