20.2.07

sem artifícios,

o dia acordou mais cedo, no vento do ventilador,
o carnaval acabou.
O sol ainda queimava e as horas ardiam,
e o carnaval acabou.

Ele foi embora.

As ruas ainda cheiravam a cerveja e a suor e uma marchinha falava de alegria e o carnaval, não existe nada mais triste; o carnaval acabou, em uma despedida feita de dois telefonemas rápidos, uma morte distante, meia dúzia de cidades, nenhuma palavra de amor.

(Mas elas grudam como purpurina, como estrelinhas brilhantes e coloridas, na pele, no cabelo, na vista, dizendo que o carnaval é o que há de mais alegre, mais triste, que o carnaval acabou.)

Me sentei na primeira calçada, na primeira esquina, orelhas de gato, silêncio nas mãos, confetes na alma, a alma rasgada, os casais nas varandas, o bloco na rua, que rua?, que rua?, que rua?


11.2.07

tororó

rio de janeiro, me desculpa pela chuva.


10.2.07

surdos

O que me comove me angustia porque não tem saída.
O que me comove não tem saída.
A emoção não escoa, não tem saída.
Todo esse amor, essa dor, toda essa rima.
Quem inventou a comunicação não contava com a minha paixão.
Quem inventou a comunicação não contava com essa.
O que me comove são as palavras e é o contrário dessas palavras.
O resto, e também elas, é inútil.
Mesmo e principalmente estas palavras são inúteis.

Me ajoelho e peço, em súplica ou oração,
me faça chorar.


mas acontece que eu sou triste

meu bem, mas por que você tá chorando?

porque tá quente demais
porque o gato miou
porque tocou aquela música
e eu não sei onde você tá
porque eu não sei de nada
porque o gato não fala português
e a casa tá suja e o pêlo preto fica cheio de poeira
porque eu acho bonitas as lágrimas caindo sobre a madeira, manchando a madeira, e é bonito deixar marcas de amor na mobília
porque eu não sei o que é o amor
mas bebi whisky demais o suficiente pra achar que eu sei
porque o vento está parado e é mais bonito dizer
the air stands still
porque o gato tá crescendo a olhos vistos
e a distância também
porque eu tenho medo do medo que você sente do que eu faço
porque nem sei pra quem digo tanto
porque eu espero o correio e não vem nada
e eu espero o telefone e não toca
mas prefiro esperar a não esperar
porque escrevo agora textos de adolescente e porque ninguém, quase ninguém lê (se bem que isso não me faz chorar)
porque o gato tá dormindo e me deixando ainda mais sozinha
porque eu queria ser alegre
mas acontece que sou triste.


7.2.07

independently blue

Porque a manhã está cor-de-rosa, tenho vontade de dizer coisas piegas a ninguém. Se as palavras soassem diferentes, se eu pudesse dizer qualquer coisa, como horas úmidas, impunemente. O sol desce sobre a cidade e é bem-vindo, porque chega em silêncio e sem sombras. Eu já não me lembrava. Ele vem sem calor.

É um momento tão meu quanto qualquer outro, mas especificamente necessário. Por isso não há que se espantar. Se possível, apenar ir, por educação. Porque são tácteis a incompreensão e o barulho. E a minha própria companhia é cada vez mais a minha preferida: calada e confortável, simples e profunda. Sem subterfúgios. Sem histerias. Sem o limite do outro (como se transforma em voz!).

E se me jogarem à turba, eu direi o mesmo.
Sob essa luz que pressente o outono,
Meus olhos perdem a cor azul.
O que é demais se esgota
E eu sou apenas.

E venta
Suavemente
Pela fresta da janela
Nesse meu rosto turvo
Que há tanto tempo não se vê

Mas

Em meio às palavras, o tempo mudou
O tempo mudou.
O cinza cresceu.
É opaca a minha cidade,
O tempo mudou.

(eu me pergunto se alguém viu,
ou se os minutos morreram em mim.)

Cheira a fruta podre no ar.
E o momento acabou.

Previsão para hoje: pancadas de chuva.

(São Paulo, 19 de março de 2005)


5.2.07

Um homem que me ocupe a casa inteira;
o mundo.
Que não deixe espaço pra mim.
Não preciso respirar.


3.2.07

serra

E se a tarde cair amarela;
de um amarelo que ninguém vê, sujo, fosco.
Os outros: cinza.
Se o amarelo pesar como o tempo que passa, não passa.
Compro uma máscara,
espero o carnaval.