29.4.06

nao me queixo

mas não deixo
uma coisa qualquer
o que será?


28.4.06

falho

Nostaligia.


mamifero

Eu vi um gambá subindo a calha da minha casa. Entre nós, o vidro da janela.
(É idiota, mas) tive vontade de chorar e senti o vômito subir à garganta, mas eu não consegui parar de olhar.
Seu focinho comprido
Seu rabo pelado
Seus pêlos sujos cinzentos.

Eu queria ocupar todo o espaço,
eu ocupo muito espaço,
meu corpo.
Eu ocupo espaço demais,
tempo de menos.
Eu não ocupo o suficiente o tempo de ninguém,
e todo mundo ocupa todo o meu tempo todo o meu espaço todo o tempo em todo lugar.

Eu sinto o rabo gelado do gambá me roçando as costas sem parar, seu focinho encostando nos meus braços, na parte de trás dos meus braços, minha nuca, seus pêlos na minha boca, na minha língua, entre os meus dentes.

Acabou a água,
e minha cabeça, eu tenho certeza de que minha cabeça um dia acordará separada do meu corpo, na mesma cama, como restos de uma boneca, de um daqueles bebês de plástico, com cabelos de nylon.
Quando foi que eu senti minha cabeça doer pela primeira vez?
Qual foi a última vez em que meus músculos estiveram frouxos?
Alguma dia eu fui completamente feliz?

Se eu pudesse encontrar no tempo e no espaço onde é que fica o meu medo, minha descrença, minha esperança, minha nostalgia. Mas tem tanta gente em todo lugar.
Matá-los todos, todos os sentimentos de tempo.
Uma ratoeira dentro do peito.


24.4.06

vampiro

Uma pêra boiando numa bacia;
o mar que vai subindo, subindo até a janela do décimo andar.
Ou é Copacabana que desce?
O Rio...
De água, meu peito;
esta noite eu escrevi muitas coisas bonitas enquanto dormia, tentava dormir.
Meu corpo não se ajusta a cama nenhuma,
e o tempo passa. Vê?
Mais devagar, sem ninguém aqui.
Eu preciso estar inteira nas pontas dos meus dedos, sangue e alma,
sangue e alma,
sangue e alma,
perdi um e outra por aí,
acho que ficaram em Paris, numa tarde de abril.
Numa tarde específica de abril.
Eu queria conseguir perder fotografias,
perder o que eu escrevi,
perder o que eu já fui.

Estudos sobre corpo e conteúdo -
Os dois
se ajustaram
em qualquer coisa,
encaixe asséptico.
Ela pede - Vamos fingir que nos amamos?
E ele ri - De novo?
Esquece, você finge tão mal, tão mal. E eu, ah, nem me dou ao trabalho.


19.4.06

um navio no espaço

Não era, afinal, na garganta.
Meu corpo misplace les douleurs.


17.4.06

diario intimo

Cafonice e nonchalance.
Dá uma culpa desgraçada ficar triste no Rio;
daí a gente toma um monte de chope,
ou comemora o ano novo no meio de abril bebendo champagne um pouco morno no trânsito ao longo da lagoa, sentindo uma nostalgia cruel, cruelmente propositada.
O volante e a garrafa,
e a velocidade,
no vento,
no vidro,
na curva.
Moët & Chandon -
alguma coisa tem que ser de verdade.
Dá uma culpa desgraçada.
Mamãe Excel.
Papai AutoCad.
Filhinha no cinema,
filhinha quer ser artista,
acha que é intelectual,
e no fundo só quer casar.
Uma culpa desgraçada.
E eu, numa mesma noite - vê? -, disse que pretendia comprar um peixe e uma bicicleta.
Sobre mim: o feminismo é um movimento desonesto.
Terça tem aula,
quarta também.
Na última eu chorei, meu bem, queria tanto comentar com você: elas são muito burras.
No, not baby anymore.
Mesmo com você,
e você tão longe do Rio,
e dentro de mim nessa culpa desgraçada.
Diria, irritado, que eu tou escrevendo como você.
Mas, vê, não, não, sou eu quem não quebra nada.
Não é mais páscoa, e não estamos mais juntos, e eu nem sei seu telefone, seu endereço aí tão longe. O que é o tempo?
(Segredo: você é lindo. O homem mais bonito que já me deu a mão.)
Ela escreveria algo assim sobre você?
Ela te ama tanto quanto eu?
Eu gosto quando eu digo as coisas assim e você acha tudo tão feio,
feio eu perguntar gritando
- O amor que você sente por ela é tão grande...
quanto o quê?
que o quê?
O amor que você sente por ela é uma frase que não deveria existir.

Ponto; parágrafo. Não é um filme, é um seriado. E tem que dar audiência, então a gente cria novos personagens. Dá falas a eles e espera as falas voltarem, tortas, títeres, eu não gosto mais de ninguém. Não confio mais em ninguém.
Faz tempo que eu não uso um orelhão.
Mas eu vou acabar telefonando; desculpa, coração.
Então, vamo lá, eu ainda quero nós dois à mesa,
dois copos de chope,
nenhum ponto de contato,
as nossas mãos sobre a mesa,
nenhum ponto de contato; e eu digo - não era você, cara, não é.
E nesse ponto você segura a minha mão, e de repente eu penso que poderia ser,
mas sei que não é,
simplesmente sei, sempre soube, sei de um futuro tão longo, sei tudo pra sempre.

É claro que isso é também só cafonice e nonchalance:
faz muito tempo que eu não durmo direito.
Deixa ver, (...), dois meses e cinco dias. Uma loucura,
e vem então - não desiste, não desiste; nos sonhos é sempre tudo igual.
É muito difícil sucumbir no Rio,
uma culpa desgraçada.
Minha mãe no computador, fazendo contas: dívidas.
Eu no computador, fazendo contas (resisto à tentação de dizer dúvidas): saudade.
Mas eu aprendi sobre a dor: meu cérebro não sabe localizá-la muito bem. (Atencão você! Eu vou mentir:) manda tudo pro peito. Ah, mas e essa dor de cabeça, essa dor nos ombros, nas pernas, nas costas. Meu cérebro é burro, eu não. Tudo dói. Mas ainda é por causa dos meus cinco anos de idade.
E eu digo - não é você, não é.
Todo esse tempo, não era você.
Às vezes eu queria que fosse: você como qualquer um. Qualquer um de outro. Sozinha é simplesmente muito ruim.
Eu sou tão igual a todas.
E você ri e diz que sabe, que na verdade, nada te importa muito a não ser você mesmo.


16.4.06

vermelho-drama

Uma gota e mais outra:
eu nem tomei banho ainda e você já me fez chorar.
A lágrima já é salgada e então com o sal da praia, do suor; a saudade que eu sinto é tão salgada -
se eu fosse desses poetas por aí, diria saldade.
Mas tudo já dói tanto, que não cabe ser infame,
a nostalgia já é tanta,
o futuro já passou,
pra que ser mais cafona do que o pretérito mais-que-perfeito?

Eu nem fui ao banheiro e já tou tomando calmante,
pra você sair junto com o xixi.

[Eu nunca, nunca imaginei que fosse escrever um poemeto em que aparecesse a palavra xixi na mesma linha que você.]


14.4.06

baby's in black

Eu me visto de preto -
ela mudou de nome, de endereço,
e o mesmo lhe vai ao peito.
Eu ainda escuto os teus passos a subir a mesma escada,
e eu atrás, tropeçando;
você já notou que eu não tenho nenhum,
nenhum sapato confortável?
Há que haver um resto de energia em qualquer lugar,
e eu tenho que poder gritar,
eu tenho que poder matar,
sem vergonha,
sem pudor,
sem mais.
Ela mudou de nome, de endereço,
e é ainda sempre a crônica do fim do amor.
Que a gente passou muito mais tempo a desconstruir que a se apaixonar.
E eu tenho que poder -
luto, luto, luto -
é o fim,
eu tenho que poder acreditar,
eu tenho que me forçar,
doer,
chorar,
enfiar a cara no travesseiro.
Eu tenho que enterrar não você, meu coração.
Trocar a segunda pessoa,
passar à terceira.
Ele,
ele,
ele
foi,
se foi.

+++

"Être adulte, c'est être remplacée."

+++

saudade

às vezes, principalmente no cinema,
quando você segurava minha mão,
fazia um carinho com o dedo indicador
que me incomodava,


13.4.06

Espiral

Põe um disco pra tocar,
e roda, roda, roda, pra dentro, sempre, pra sempre, dentro.
Dá cá teu dedo e eu desenho no ar,
teu dedo indicador dá voltas no ar, desenha a via láctea, a estrada de casa, as sombras no escuro, desenha a forma do meu coração,
do meu peito,
como ele arfa,
como ele cala.
Roda, roda, menina, a menina roda, como quando era criança,
a moça,
um buraco, um vazio, um nada que puxa, que suga, que abraça e cobre e circunda,
e sufoca de ar.

Agora, com o mesmo dedo,
faz shhh,
me manda parar de falar.

Me bota na cama, me afaga, roda pra dentro, no fundo, no fundo, no dentro, que é oco, que é vácuo, é espaço. Preenche a idéia, tapa o infinito, dança comigo,

pra nunca,
nunca,
nunca
parar.