31.5.06

tempo: espaço

muitas chuvas,
cada uma com seu gosto.
quando?
o céu tem estado por aqui bem azul; esse inverno qualquer.
muitas chuvas,
eu seca.


28.5.06

verdade

caramba, de repente, como uma lufada de ar - vuuuuff - me veio uma tristeza tão grande.
um golpe;
tão triste, atônita
e só.


27.5.06

milhares de urubus cobrem os postes e as marquises do centro do Rio de Janeiro numa tarde qualquer de inverno

Cê tá puto? Não. É que eu sonhei mesmo que cê tava feliz. Eu tou feliz. Tou surpreso. Surpreso? Achei que fosse ficar feliz por mim. Feliz por você? Bem a sua cara mesmo. No máximo, não infeliz, normal. Normal? Bem a sua cara mesmo. É. Eu sonho com você quase todas as noites. É? Culpa? Eu sonho com você quase todas as noites. E nessa aí eu tava feliz...? É. Um homem apaixonado nunca é ridículo. Eu sempre fui. Apaixonada? Ridícula. Não. Sim. Olha o céu, tá confuso. Não. O amor sempre foi o mais importante pra você, né? É. Lembra o que a gente falava sobre a felicidade? Lembro, mas era besteira. Não, olha o céu. Não quero. E agora cê tá feliz? É. Tá frio. É. Tão estranho, esse céu azul e esse frio. Pára de falar do céu. Tou falando do tempo. É, acho que não temos mais muito a falar. Nada a falar. É. O amor sempre foi o mais importante pra você, né? Não, a única coisa importante, a única. E por isso agora você tá feliz. É. Engraçado que eu sempre te amei muito mais, engraçado que de nós eu sou o único que ama ainda. Engraçada é essa distância. Essa distância entre a gente. Engraçada? Por falta de palavra melhor. Essa distância... Você tá mesmo feliz? Jura? Não sente saudade? Tou feliz. Jura? Você me amou muito errado, muito torto. Com você é sempre sobre se vingar, né? Sobre, sei lá, não ficar um passo atrás. Um homem apaixonado nunca é ridículo. Nem uma mulher. Eu fui. Ridícula?! Apaixonada. Por favor, olha o céu. Não. Olha. Ai! Desculpa. Por que você me bateu? Porque eu tou pedindo pra você olhar o céu! Por quê? Porque eu quero que você olhe pra onde eu tou olhando! Por quê? Porque eu devia ter te batido todas as vezes que eu tive vontade. Por quê? Você ainda tá feliz? Mais. Por quê? Porque eu não sou mais sua. Nunca foi. Sempre fui. Apaixonada? É, e ridícula. Mais ridícula que apaixonada. Por que você não está feliz? Porque um homem apaixonado nunca é feliz. E agora? Agora nada. Agora... Você tá apaixonada? Você sabe... Não, isso você não disse. Disse que estava feliz. Uma mulher apaixonada nunca está feliz. O mais importante é o amor. É? Você lembra o que a gente falava sobre o amor? Lembro, mas era bobagem. Era? Eu continuo acreditando... Eu tou feliz. Olha o céu. Tá azul. Mas você não vê esses pássaros todos? Engraçado esse céu azul com esse frio. É, no Rio nunca é assim. Nunca. É.


24.5.06

O rio corre cinza debaixo da chuva,
Chove.
Braços, pernas cobertos.
O Rio mais bonito assim, pálido;
brilham os rostos
de susto.


22.5.06



Mi vanidad (Lhasa de Sela)

Desde que no hay maldad,
Que no hay ni hambre,
Ni miedo, ni soledad,
No hay nadie que me ame
En toda esa ciudad...
Desde que no hay dolor,
No hay nadie que sufra
Por un amor,
Nadie más que yo.
No, no quiero olvidar...

¡Ay! Ya no se canta
Como se cantaba ayer.
Ahora dicen : “Ven, tomamos un café
Besamos en Français”.
No, ya no se canta:
“Sin tu amor me moriré”.
No se grita ya:
“No aguanto ese sufrir...
Quiero vivir…”. Linda canción.

Desde que no hay maldad,
Todo el mundo se ríe
De mi ansiedad.
Yo lo llamo poesía,
Le dicen Vanidad...

Desde que no hay tradición,
Mi vida se desnuda
Ya sin pasión,
Y no sé para qué
Sirve mi corazón...

¡Ay! Ya no se canta
Como se cantaba ayer.
Ahora dicen : “Ven, tomamos un café
Besamos en Français”.
No, ya no se canta:
“Sin tu amor me moriré”
No se grita ya
“No aguanto ese reir...
Quiero sufrir…”


minhas dores, meu amores são século 20. quero voltar.


20.5.06

Morar numa rua chamada Saudade.
(E andar num bonde chamado Desejo?)


Ano que vem

Mas então
pra quem eu grito?
E
(pior)
pra quem

sussurro?

Pra quem
quê
o quê?

quando -
ah, principalmente - quando?

Quando eu devo sussurrar, esperar, nos ouvidos de quem? -
espere o sim,
queira o sim,
me acomodar nos ouvidos
de quem?
- minha palavras,
o que eu penso
(sou
é,
mas)

Comunicação não precisa de por quê.


15.5.06

colorário

as pessoas são só pessoas -
é tudo o que elas conseguem ser
(às vezes menos).
as pessoas se esbarram, se assustam e,
eventualmente,
desperdiçam gargalhadas.
as pessoas desperdiçam poucas gargalhadas.


10.5.06

latitude 2

No meio da menina tinha uma mulher
Em todas as superfícies, pele, dedos, olhos da mulher tinha uma menina.


8.5.06

crônica inventada

Eu volto pra casa e na estrada eu vejo, em todo canto, todo, o tempo todo. No mato e na terra que a velocidade levanta, nos rochedos. O amor é uma besteira: você tá em tudo o que eu como, em cada recôndito descoberto de corpo. O que é a alma comparada às vísceras?

Hoje eu pensei uns 10 minutos ininterruptos em pêlos. Olha que absurdo: pêlos! Molhados na água do chuveiro. Eu ri sozinha, claro. Os pêlos das pernas e dos braços. Tenho andado meio obcecada com a história dos mamíferos. Talvez mais justo comigo mesma seria dizer perseguida. Mas assim parece que sou ainda mais louca: pequeno inferno particular. Tenho problemas com algumas cores, espaços grandes demais, céu aberto, móveis distantes da parede. E mamíferos. Sou louca como todos.

Eu arrumava o colchonete e me disseram - Outro dia eu tava aí, de repente eu ouvi um barulho surdo, poc. Acendi a luz e era um rato, um rato que tinha caído de cima do armário. - Mamíferos que caem e produzem leite e têm pêlos, sobretudo têm pêlos. Fiz a cama em outro cômodo, sofá estreito, estrelas e fantasmas na janela. Por que é então que eu dispenso 10 minutos do meu tédio rodoviário aos pêlos, os teus? E com que prazer...

E ainda culpam o pobre coração por cada insensatez de que somos capazes! Pobre coração, tão lógico dentro da sua mágica, do seu destino... Tão coerente nos seus caminhos depois de feita a escolha arbitrária. Mas e a minha pele, que (descubro) tem a habilidade de se arrepiar de diferentes formas diante de duas faces de uma mesma coisa: pêlos - os teus e os dos roedores, que, parece, invadem o mundo.

Parece que uma das cadelas da casa comeu o rato. E eu que, com minha cultura de desenhos animados, nem sabia que cães comiam ratos! (O plural de cachorro é muito feio.) Mas eu nem sei o que me incomoda verdadeiramente nos ratos (os gambás enfrentam, são grandes e fedorentos; os ratos fogem - e ainda assim...) - se são as partes (que eu suponho) geladas, os dentes ou os pêlos. Você não tem partes geladas; sempre aquele calor que sem nem me tocar... Uma vez me disse que todos os homens são mesmo mais quentes que as mulheres. Não sei, não dormirei com todos os homens.

Eu adormeci no ônibus. Seria tão mais fácil dizer a verdade... (um homem me protegeria dos ratos e gambás?)


5.5.06

menina

mulher mulher mulher mulher mulher
mulher mulher mulher mulher mulher
mulher mulher mulher mulher mulher
mulher mulher mulher mulher mulher
mulher mulher mulher mulher mulher
mulher mulher mulher mulher mulher
mulher mulher mulher mulher mulher
mulher mulher mulher mulher mulher
mulher mulher mulher mulher mulher
mulher mulher mulher mulher mulher

na minha saia
círculo
segredo
prosa
e
memória.

Entender não tem a menor importância -
as pontas dos dedos
dentes
pele
e
poesia.


3.5.06

alem da linha vermelha

Você tava dormindo? Desculpa, é que eu tava tomando banho e apareceu uma barata. Fugindo do ralo, coitada, da enxurrada. De nada adiantou... Sim, me assustei, mas não saí do box. Não sou exatamente esse tipo de mulher, a não ser que precise, claro. Faltava tirar metade do condicionador do cabelo. Eu fiquei olhando a barata, observando pra ela não se aproximar e me pegar desprevinida. Uns 10 minutos nós duas ali. Você me acha corajosa ou tem nojo de mim? Lembra que antigamente diziam creme rinse? Eu pelo menos dizia. Antigamente eu dizia travesseira também. Mas quando a barata apareceu eu lembrei de você. Eu preferia comer uma barata viva a encostar um dedo no gambá. Mamíferos são nojentos. Mamíferas produzem leite! Eu lembrei de você. Tou lendo um livro em francês - mais de um até. Quer que eu leia alto? Bref, nous ne nous jugions pas: nous nous aimions. Mas aí eu sempre me atrapalho na pronúncia, mastigo um i. Meu francês é bem pobrinho; eu não te comovo. É verdade: não existe nada mais difícil que comover alguém. Comover é uma palavra esquisita e bonita. Odeio quando duas palavras na mesma frase rimam. A barata morreu afogada, claro, no cantinho do box. Mentira: no cantinho oposto, na quina entre parede, parede e chão. O azulejo escorrega. Em 2001, eu caía na rua toda semana. Não, claro, não toooda semana. Mas eu caía à beça. Odeio. Se eu pudesse, ninguém me enxergava nunca. Só se eu estivesse paradinha: meus gestos são muito feios. Eu não sei dançar nem rodar bambolê. Mas eu mato baratas. A não ser voadoras, que aí também já é demais. Teve na minha vida uma noite horrível, horrível, não faz muito tempo. E eu tava muito triste, mas ainda assim eu tentei matar a aranha que apareceu perto do teclado. Por delicadeza, por amor, acho. Mas meu amor é todo incompetente: não consegui matar a aranha, sumiu. E eu fui dormir era quase de manhã, tão ruim, nem te conto.


2.5.06

E a resposta é não.


1.5.06

latitude

No meio da menina tinha um buraco.
No meio da menina tinha um deserto, uma faca, um peixe e duas amígdalas.
No meio da menina tinha uma menina.
No meio do buraco tinha uma menina.
No meio do buraco tinha meia profundidade do buraco.
À meia profundidade do buraco tinha uma menina.
Tinha uma menina caindo no buraco.
Tinha uma colônia de bactérias nas duas amígdalas.
Tinha uma colônia de bactérias no deserto.
Tinha um cardume de peixes no deserto.
Tinha um cardume de peixes no poema.
No meio do poema tinha uma menina.
No meio do deserto tinha uma menina.
No meio do deserto tinha uma distância.
À metade da distância tinha uma colônia de poemas.
No meio da menina tinha um poema e uma faca.
À meia profundidade, à metade da distância, em meio a uma colônia de bactérias,
uma menina segurava uma faca.
No meio do deserto, sobre uma faca dançavam peixes.
Entre os peixes, uma menina segurava um deserto.
No deserto, uma menina comia peixes.
Com uma faca, no buraco, uma menina cortava as amígdalas.
No meio do buraco, a menina cortava as próprias amígdalas.
À meia distância, sobre a faca, sobre o sangue, a menina caía.
No meio da menina, a menina caía.
No meio do deserto, o buraco se abria.

Então o telefone tocou.